Hoje, infelizmente, no Brasil, o
racismo, ainda é, uma realidade e que nós, em sua grande maioria, tentem a
esconder, `falando com a maior naturalidade que todo mundo é igual. Mas, a verdade é que muitos que não dizem ,
pensam e alguns ainda, desabafam raivosamente: É negro por derradeiro... Lugar
de Negro é na cozinha e assim por diante. Na prática, mesmo sem percebermos,
sempre se afirmou a inferioridade do negro e que mesmo com várias conquistas,
ainda estamos longe do almejado, justo e digno.
E nesse sentido, numa das
entrevistas que fiz, a de DORINHA NASCIMENTO, foi uma das mais interessantes,
no dia 30 de novembro de 2003 para uma página do JORNAL A NOTÍCIA, de Currais
Novos/RN. Vejamos:
Liberdade se toma não se recebe,
dignidade se adquire não se concede. Com essas palavras, Dorinha Nascimento,
com gestos faceiros e sorrisos nos lábios, resquícios de sua raça negra, chega
e senta para conversar conosco.
Eu: Como você se sente sendo
negra?
Ela: - Sinto-me muito bem, sou
muito original e na outra reencarnação, se eu tivesse que voltar, queria ser
esta mesma negra, que incomoda. Risos...
Eu: O que é necessário para
enfrentar essa discriminação em relação ao negro?
Ela: - Primeiro é estudar muito,
renovar sempre seus conhecimentos, procurar ver a questão do negro em outros
países e criar espaços para que outras pessoas se entrosem e venham a formar um
verdadeiro “Movimento Negro Organizado” e só assim, e só assim é que seremos
mais fortes para enfrentar e vencer qualquer tipo de discriminação.
Eu: É importante para o negro a
valorização de sua cultura?
Ela: - Sim, através da capoeira, uma rodinha de samba, do pagode, da
poesia, dos hábitos, dos costumes como: “ uma caipirinha”, que o negro gosta,
da macumbinha(rsrsrs), do candomblé, e principalmente, da alegria que não pode
faltar, é do negro, vem da alma, de sua cultura e também da África.
Eu: Dorinha, fale um pouco da
história, da vinda do negro para Currais Novos!
Ela: - Os primeiros negros que
aqui chegaram, vinham de Pernambuco e sei que vieram cuidar dos Currais. (...)
e nessas idas e vindas chegaram também meus parentes, desta vez da Paraíba.
Meus Pais vinham de lá, mas se
conheceram aqui filhos de famílias escravas e posteriormente de “tropeiros” e
foram em tropas de animais que aqui eles chegaram.
Eu: E como foi sua infância?
Muito feliz, numa família muito pequena, eu, Chico de Berto e Dolores. Toda
vida gostei de estudar e quando era mocinha surgiam muitos convites para
trabalho, mas sempre como empregada doméstica. Papai queria, mas eu não, e
certo dia, num período de férias, o Capitão Rubens Pereira veio procurar-me
para que eu fosse ensinar aos filhos dele, os trabalhos do colégio, eu fui.
Queria me levar para o Rio de Janeiro. Hoje, quem sabe, eu seria uma “Benedita
da Silva”... risos. E desde esse tempo sou Educadora com muito prazer.
Eu: Dorinha, e os costumes do
Negro em nosso município?
Ela: - São tantos... Eles
costumavam, com rezas, apagar incêndios, curar as chamadas “bicheiras”( feridas
em animais)ou desengasgá-los, e ainda, para desengasgo viravam um “tição de
fogo” (pedaço de madeira queimado), e tantos outros... Dizia-se que um desses, era
Seu Bispo, um Senhor que hoje deve ter uns 100 anos e mora lá no “Paizinho
Maria”.
Eu: E a respeito dos grupos “negros”
em Currais Novos? Sim, temos os do “Bom Sucesso”, que são conhecidos como
“Negros do Riacho” e os do Totoró (Os Negros do Ludugérios), por sinal eles
ficam até muito tristes por não serem reconhecidos como grupo. E aqui na
cidade, as famílias negras tinham uma concentração maior, ali, nas proximidades
da Escola Municipal Salustiano Medeiros, perto da Pedra do Rosário. Naquela
pedra os negros subiam quase todas às tardes, para fazer suas orações, por isso
denominada “Pedra do Rosário”. E grupos existiram dois que Eu e Joabel
resgatamos na época em que Ele foi Secretário de Educação (Administração
Mariano Guimarães). Eles eram todos negros e do Bairro de “Santa Maria Gorete”
e mantinham todo um Ritual: A festa do “Congo”, no mês de outubro, onde o Rei
passava três dias com a “COROA”, andavam nas ruas, principalmente na feira,
saudando as pessoas, às vezes alguns davam dinheiro a eles, só para manter a
tradição, rezavam na Pedra do Rosário e tocavam pífanos, ETC. E tudo,
fazia parte da lenda de um Rei que tinha recebido um “Rosário” e perdendo esse
“Rosário”, ficou muito triste e obrigou aos negros procurarem, caso não o
encontrassem, dentro de três dias,” a peia comia” e se eles achassem, o Rei
daria a eles a “COROA”, durante exatamente três dias. Conta ainda a lenda que
os negros fizeram preces e acharam o “Rosário”, ficando assim denominada a
“festa do Rosário”, em cuja festa o negro é o Rei. Tudo era muito bonito,
tínhamos também a “Rainha do Congo”, Dona Charita, casada com seu Manuel Bugi e
a sede era ali mesmo, na Capela de “Santa Maria Gorete”, mas, como os negros
gostavam muito de tomar uma pinguinha e dentro da igreja ficava um cheiro de
cachaça, então, Padre Cortez não gostou e também com a morte de Seu Tadeu o
“Rei do Congo”, o grupo acabou.
E como você conseguiu ser “NEGRA”
e Secretária de Educação em nosso município de Currais Novos? É aí que está o
nó. O racismo é, na verdade o ódio. Existem pessoas que me aceitam bem, mas há
outras que não gostam de mim, mesmo sem me conhecer, e quando a gente assume um
cargo, onde, quem deveria estar lá, talvez, fosse uma branca, enfrentamos
alguns problemas. , Entretanto, sempre procurei estar preparada para lidar com
as pessoas, porque o negro tem que sempre fazer mais e melhor, a fim de obter o
espaço definido, na sociedade. E consegui ser Secretária, principalmente,
porque meu Chefe Político, o saudoso Gilberto Lins, tinha muita coragem e me
colocou, na Secretaria em dose dupla. E hoje me sinto feliz e certa do dever
cumprido. Eu não gosto de dizer o que fiz, espero que as pessoas reconheçam,
mas acho que fizemos muita coisa, exemplo: A criação do carnaval de todos os
tempos, o forronovos, o carnaxelita, atenção especial ao atletismo, etc.. Fui
Secretária por duas vezes, a primeira no governo de Bitamar, informada por Dr.
Gilberto Lins, nessa época o destaque foi a ALFABETIZAÇÃO, pelo MOBRAL...
Eu: - E a negra na política? É a
mesma coisa, não é fácil, você observe que, na Câmara municipal, a única negra
foi Lourdes de Virgovina e com muita luta.
Eu: Uma mensagem Dorinha?
Ela: - Vou deixar uma do escritor
Gilberto Freire: “ Todo Brasileiro, mesmo o alvo, de cabelo louro, traz na alma, quando não na alma e no corpo, a
sombra ou, pelo menos a ginga do negro” Um grande Axé para todos.
Auridete Alves Cesário Dantas
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